Capítulo 4 de 26 | Espaço de Partida
Naquela manhã, enquanto Paulo saía apressado pela porta do quarto, resmungando algo sobre uma reunião importante, Gal permaneceu em silêncio.
Ele não parecia notar o esforço que ela vinha fazendo, nem as pequenas mudanças que já haviam transformado o espaço que dividiam.
Assim que a porta se fechou, Gal olhou ao redor.
O quarto ainda era pequeno e abafado, mas as cortinas que antes bloqueavam a luz haviam sido substituídas por um lenço floral que deixava o ambiente mais claro e acolhedor.
As roupas, que antes formavam montanhas pelo chão, estavam dobradas e organizadas em caixas de papelão decoradas com retalhos.
A cama, coberta por uma colcha limpa e almofadas coloridas, agora parecia um lugar de descanso e não apenas um colchão jogado num canto.
Na mesinha, onde antes havia pilhas de papéis amassados de Paulo, repousava um pequeno vaso improvisado com flores silvestres.
A luz amarelada do abajur que encontrara no pátio trazia uma suavidade que antes faltava naquele espaço.
Gal suspirou.
A transformação do quarto era a única coisa que ela sentia estar em seu controle, mas, no fundo, sabia que aquilo não era suficiente para mudar Paulo.
Ele continuava mergulhado em suas tentativas de retomar a vida que haviam perdido, enquanto ela buscava criar um lar, mesmo naquele ambiente temporário.
Uma Conversa no Varal
Mais tarde, enquanto estendia algumas roupas no varal improvisado do pátio, Gal encontrou Cida.
A mulher se aproximou com seu sorriso caloroso e uma bacia de roupas nos braços.
— Oi, Gal, né? — disse Cida, com um olhar curioso. — Você é a esposa daquele moço que vive saindo cedo, né?
Gal sorriu sem jeito e confirmou com um aceno de cabeça.
— E você? Mora aqui há muito tempo? — perguntou, tentando quebrar o gelo.
— Há anos. Aqui todo mundo se ajuda, sabe? É assim que a gente sobrevive.
Gal franziu a testa, surpresa.
Aquela ideia de comunidade era nova para ela, acostumada a viver isolada, dependendo apenas de Paulo.
Valéria e o Convite
Enquanto conversavam, Valéria, uma das moradoras, apareceu.
Com suas mãos firmes e olhar decidido, ela se aproximou com uma travessa coberta por um pano.
— Oi, Cida, trouxe aquela marmita que você pediu. — Valéria olhou para Gal e sorriu. — E você, já experimentou a comida daqui?
— Não… — Gal respondeu, hesitante.
— Então está na hora! Passa lá na cozinha comunitária depois. Eu faço questão.
Gal ficou sem jeito, mas o convite parecia mais um comando do que uma sugestão.
Pela primeira vez, sentiu que poderia haver algo além da tensão e do isolamento que carregava com Paulo.
Antes de sair, Valéria gritou pra Cida algo que fez Gal compreender qual sua posição diante do que estava vivendo com Paulo.
Valéria disse:
— Cida, lembra, que ninguém salva ninguém! Cida complementa a frase:
— Sim, porque somos nosso pior carrasco.
Reflexão
Enquanto Gal voltava para o quarto, carregando a roupa limpa, ela percebeu que as pequenas mudanças no ambiente haviam sido mais para si mesma do que para Paulo.
Aquele espaço, que antes era apenas um símbolo de tudo o que haviam perdido, agora começava a se parecer mais com um lar.
Mas um lar não era suficiente.
Era preciso mais do que um espaço organizado e uma luz suave para preencher o vazio que sentia.
E, pela primeira vez, Gal começou a se perguntar se era realmente sua responsabilidade salvar Paulo?
Tu pode caminhar por onde quiser. Mas se quiseres seguir a trilha como ela foi pensada, aqui, sempre encontrarás o próximo texto e o anterior.
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