Texto 04 de 11 | Espaço de Acolhimento
A Plenitude do Silêncio
O ambiente ainda carrega o calor das conversas anteriores. O outro viajante, agora mais tranquilo, observa o café repousar na mesa à sua frente, enquanto tu, em silêncio, permites que os ecos das palavras recentes encontrem espaço dentro de ti. Aqui, o tempo desacelera. Não há pressa, nem urgências. E, pela primeira vez em muito tempo, este silêncio não te cobra nada.
Eu retorno ao espaço com passos leves, trazendo uma manta que deposito sobre teus ombros. “Ainda está frio lá fora,” comento suavemente, como quem sabe que o frio externo é apenas um reflexo de algo mais profundo – o frio das exigências, das cobranças, de ser tudo para todos, menos para ti mesmo.
“Mas aqui,” continuo, “esse peso pode ficar do lado de fora. Aqui, tu não precisas carregar nada além de ti mesmo.”
Tu ajeitas a manta e, pela primeira vez em muito tempo, não sentes a necessidade de explicar o cansaço nos teus olhos. Aqui, ele não precisa de justificativa.
O Alívio de Ser Suficiente
“Sabes,” começo, enquanto me acomodo ao teu lado, “ser suficiente é algo que todos desejamos sentir, mas raramente conseguimos. Desde pequenos, somos ensinados a ser mais: mais educados, mais produtivos, mais agradáveis. E crescemos acreditando que nunca somos o bastante.”
Tu ouves em silêncio, mas algo no teu semblante muda. Talvez estejas lembrando dos momentos em que tentaste ser mais para os outros, enquanto te sentias cada vez mais distante de ti mesmo.
“Mas a verdade,” continuo, “é que suficiente não é sobre ser mais. Suficiente é sobre ser. Sobre existir exatamente como és, sem precisar justificar isso para ninguém.”
O outro viajante, atento, ergue o olhar. Ele quer dizer algo, mas escolhe permanecer em silêncio. Ele entende que este momento é teu.
“E o que é ser suficiente?” pergunto, mais para ti do que para mim mesmo. “É sentir que, mesmo com tuas imperfeições, tu és digno de estar aqui. De ser visto. De ser acolhido.”
Tu inspiras profundamente, como quem absorve o peso dessas palavras. Há uma mudança sutil em teu semblante, algo que só pode ser descrito como um pequeno alívio. Talvez, pela primeira vez em muito tempo, sentes que não precisas ser mais do que já és.
A Beleza de Apenas Ser
“Sabes o que é curioso?” continuo, ajustando a manta sobre teus ombros. “Nós nascemos sabendo ser quem somos. Quando éramos crianças, não nos preocupávamos em caber ou agradar. Apenas existíamos, livres e verdadeiros. Mas, em algum momento, começamos a esconder partes de nós mesmos. A moldar, a adaptar, a vestir máscaras.”
Tu olhas para mim, como quem tenta se lembrar de uma época em que isso era verdade. Quando foi que a leveza de simplesmente existir começou a se perder?
“Mas aqui,” digo suavemente, “tu não precisas caber em lugar algum. Não precisas agradar, nem moldar-te para te encaixar. Aqui, tu podes simplesmente existir. Exatamente como és.”
O outro viajante sorri, como quem encontra eco nas minhas palavras. Ele finalmente fala, com uma voz baixa, mas firme: “É engraçado… Não me lembro da última vez em que não me preocupei com o que os outros esperavam de mim. Estar aqui é… diferente. É leve.”
Tu olhas para ele, e há algo nos teus olhos que diz: “Eu entendo.” Porque, no fundo, também sentes essa leveza. É como se, pela primeira vez, o peso das expectativas tivesse ficado do lado de fora.
O Significado de Ser Verdadeiro
“Sabes o que é ser verdadeiro?” pergunto novamente, agora com mais ênfase. “É olhar para ti mesmo e dizer: ‘Eu sou. E isso basta.’ É reconhecer que não precisas ser perfeito, nem ter todas as respostas. É aceitar que, com tudo o que és – luzes, sombras e dúvidas – tu já és digno de ser visto, ouvido e amado.”
As palavras parecem ressoar não apenas em ti, mas no ambiente ao redor. A música ao fundo suaviza ainda mais, como se o espaço estivesse conspirando para reforçar essa verdade.
“Ser verdadeiro não é sobre fazer,” digo. “É sobre permitir. Permitir-te ser quem encontra paz para ser, sem carregar o peso de ser mais ou menos.”
Tu inspiras novamente, dessa vez com mais profundidade, como quem começa a acreditar nessa possibilidade. Há algo libertador em perceber que, aqui, ninguém te pede para mudar. Que, aqui, tu já és o bastante.
O Círculo da Humanidade
O silêncio que se segue é pleno. Não é vazio, mas um espaço onde as palavras encontram descanso. “Este lugar,” digo finalmente, “foi criado para isso. Para te lembrar de que tu não precisas ser algo que não és. Porque a tua essência, exatamente como é, já é valiosa.”
O outro viajante, mais à vontade, acrescenta: “Eu também achei que precisava ser mais para ser aceito. Mas aqui… aqui, eu sinto que posso só existir. E é suficiente.”
Tu olhas para ele, e depois para mim. Há algo nos teus olhos que parece agradecer sem precisar de palavras. É como se, pela primeira vez, tu estivesses num lugar onde realmente pertences. Onde não precisas justificar tua existência.
“Sabes,” concluo, “quando nos permitimos ser quem somos, damos aos outros a coragem de fazer o mesmo. É como se disséssemos, sem palavras: ‘Está tudo bem ser como tu és. Eu também sou assim.’ E isso, meu amigo, é o começo de algo profundamente humano.”
A Verdade Como Objetivo
“Ser verdadeiro não significa ser perfeito,” continuo. “Não significa ter todas as respostas ou estar sempre certo. Significa apenas ser. E ao ser, tu liberas o outro para fazer o mesmo. É assim que nos encontramos de verdade. Não na perfeição, mas na humanidade que compartilhamos.”
Tu inspiras fundo, e o outro viajante faz o mesmo. É como se, por um instante, o peso do mundo fosse substituído por algo mais leve. Nesse momento, tu percebes que ser verdadeiro não é apenas um presente que te dás. É um ato de coragem que ecoa, tocando tudo e todos ao teu redor.
E assim, juntos, seguimos. Não com a certeza de um destino, mas com a beleza do caminho. Porque, aqui, ser verdadeiro não é apenas um objetivo. É o maior presente que podemos dar – a nós mesmos e ao outro.
Reflexão Final
"Quando foi a última vez que te permitiste apenas ser? Como seria olhar para ti mesmo e dizer: ‘Eu sou. E isso basta.’?"
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