Texto 06 de 11 | Espaço de Acolhimento
A Chuva e o Reflexo da Jornada
Lá fora, a chuva persiste, caindo com um ritmo que parece pulsar junto ao silêncio da sala. As gotas na janela se encontram, hesitam, e seguem caminhos incertos, como se espelhassem a busca que cada um de nós carrega. Dentro, o calor da sopa fumegante e o aroma do pão recém-assado criam um contraste acolhedor ao caos do lado de fora.
Tu observas a cena, perdido em pensamentos, enquanto o outro viajante – aquele que chegou depois de ti – segura sua xícara de chá com as duas mãos. Seu semblante carrega a serenidade de quem encontrou algo valioso, mas também o peso de quem precisou deixar partes de si para trás.
E então, ele começa a falar. Sua voz, ao mesmo tempo firme e vulnerável, parece ecoar dentro de ti.
As Máscaras que Escolhemos Usar
“Sabes,” ele diz, olhando para a xícara como quem encontra nela a coragem para continuar, “durante muito tempo, vivi para mostrar apenas o que era bonito em mim. Fazia questão de esconder os pedaços que julgava feios – as falhas, os erros, as dores. Eu achava que, se as pessoas vissem essas partes, me abandonariam.”
Ele pausa, respirando profundamente, como quem revisita memórias difíceis. “Então, criei uma versão de mim que eu acreditava ser aceitável. Mas essa máscara tinha um preço. Quanto mais eu fingia, mais distante eu ficava de mim mesmo. Eu me olhava no espelho e não sabia mais quem era.”
Tu o ouves em silêncio, mas as palavras dele encontram eco em ti. Talvez porque, no fundo, tu também conheças essa luta: o esforço constante para corresponder às expectativas, mesmo quando isso significa negar partes de quem tu és.
A Colcha de Retalhos da Vida
Ele ergue o olhar e encontra o teu, seu semblante carregado de uma sinceridade que não pede permissão para existir. “Minha avó costumava dizer que a vida era como uma colcha de retalhos. Cada pedaço tem sua história – alguns coloridos e vibrantes, outros escuros e rasgados. Mas todos são necessários. Sem eles, a colcha não estaria completa.”
Ele sorri levemente, como quem sente saudade das lições simples que moldam nossa essência. “Eu tentei esconder os pedaços escuros da minha colcha. Mas o que percebi é que, ao negar partes de mim, eu estava negando minha própria história. Estava me tornando vazio.”
A sala parece respirar junto com ele, e até a chuva lá fora suaviza seu ritmo, como se o universo concordasse com suas palavras. “Foi quando aceitei todos os meus pedaços – até os que doem – que comecei a me sentir inteiro. Não perfeito, mas inteiro. E isso mudou tudo.”
O Caminho de Volta para Ti
As palavras dele encontram um lugar em ti, despertando algo que talvez já estivesse ali há muito tempo, mas que tu ainda não tinhas nomeado. Ele percebe tua inquietação e continua.
“Voltar a ti mesmo não é fácil,” diz ele, com a voz carregada de compaixão. “Não é um caminho direto. É uma jornada cheia de curvas, tropeços e descobertas. Mas é olhar para cada pedaço – até aqueles que machucam – e dizer: ‘Tu fazes parte de mim, e eu te aceito.’”
Ele faz uma pausa intencional, como quem te dá tempo para absorver. “E quando fazes isso,” acrescenta, “tu percebes que não precisas ser perfeito para ser amado. Não precisas carregar todas as respostas ou parecer invencível. Tu só precisas ser verdadeiro. É isso que te conecta aos outros. É isso que te conecta a ti mesmo.”
O Convite à Vulnerabilidade
A sala está em silêncio, mas é um silêncio pleno, não vazio. Ele te observa sem pressa, respeitando o teu ritmo. Então, com uma voz ainda mais suave, ele diz:
“Sabes, a verdadeira força não está em esconder nossas falhas, mas em mostrá-las. Ser humano não é sobre ser impecável. É sobre ter a coragem de ser autêntico. E quando nos permitimos ser vulneráveis, algo incrível acontece: descobrimos que não estamos sozinhos. Conexão nasce da vulnerabilidade.”
Tu pensas nas máscaras que tens usado, nas partes de ti que escondes até de ti mesmo. E algo começa a mudar. Talvez a força esteja, afinal, em largar o peso do controle e simplesmente ser.
A Dança entre Luz e Sombra
A chuva lá fora diminui, transformando-se em um gotejar suave que soa como uma melodia distante. Ele olha para a janela e sorri, como quem encontra significado na simplicidade.
“A vida,” diz ele, “não é feita só de momentos de luz. Precisamos da sombra para entender o valor da luz. Não somos um ou outro – somos ambos. E, no equilíbrio entre eles, encontramos a paz.”
Ele toma um último gole de chá antes de continuar. “Quando parei de lutar contra minhas sombras, algo mudou. Não porque elas desapareceram, mas porque deixaram de me controlar. Eu aprendi a viver com elas, a dançar com elas.”
A Escolha é Tua
Tu olhas para ele, e percebes que suas palavras não são apenas histórias. São um convite. Um chamado para que tu também comeces essa jornada de volta a ti mesmo.
Ele percebe teu silêncio e conclui: “Sabes, a vida é como esta chuva. Não podemos controlá-la, mas podemos escolher como a recebemos. Podemos nos esconder dela ou sair e senti-la, permitindo que ela lave o que precisa ser limpo. A escolha é tua.”
O ambiente ao teu redor parece ainda mais acolhedor, como se até o espaço te incentivasse a aceitar o convite. E pela primeira vez em muito tempo, tu sentes que talvez seja hora de parar de fugir. Talvez seja hora de começar a voltar.
Reflexão Final
"Quais partes da tua colcha de retalhos tu tens tentado esconder? O que mudaria se começasses a aceitá-las como parte de quem tu és?"
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