Capítulo 15 de 26 | Espaço de Partida
O pátio estava silencioso naquela tarde. Clara, a jovem com deficiência visual, estava sentada em um banco com um livro em braile no colo. Ela ouvia o som das crianças brincando à distância e os passos de Paulo que se aproximavam, hesitantes.
— Oi, Clara. Posso sentar? — perguntou ele.
Clara sorriu, virando o rosto na direção dele.
— Claro. Sempre bom conversar com alguém por aqui.
Paulo sentou-se ao lado dela, ainda com um ar de incerteza. Ele havia observado Clara algumas vezes, admirando sua leveza ao lidar com as limitações.
— O que você está lendo? — perguntou ele.
— É um livro de poesia. Gosto das palavras que fazem a gente sentir, sabe? Mesmo sem ver.
Paulo permaneceu em silêncio, intrigado com o que ela dissera.
Uma Nova Perspectiva
Depois de alguns momentos de quietude, Clara quebrou o silêncio.
— Paulo, você sempre parece estar pensando em algo.
— Acho que é porque sempre estou mesmo — respondeu ele, soltando uma risada leve.
Clara inclinou a cabeça, como se estivesse analisando-o.
— Pensando no que perdeu ou no que pode encontrar?
A pergunta o desarmou. Paulo percebeu que Clara, mesmo sem enxergar, via mais do que ele próprio.
— Acho que mais no que perdi — confessou.
Clara estendeu a mão, tocando o banco entre eles.
— Às vezes, a gente perde coisas que pensava serem essenciais, mas descobre que o essencial de verdade ainda está aqui.
Paulo a encarou, absorvendo aquelas palavras simples, mas profundas.
A Conversa Sobre Enxergar
— Clara, como é… — ele hesitou. — Como é viver sem enxergar?
Ela sorriu, como se já esperasse essa pergunta.
— É estranho no começo, sabe? A gente se sente perdido. Mas depois percebe que enxergar não é só com os olhos. É com os ouvidos, com o coração.
— E você acha que eu não enxergo? — perguntou Paulo, com um tom de provocação.
Clara riu.
— Acho que você está começando.
Um Olhar Interno
Clara mudou de posição, ficando de frente para Paulo.
— Eu posso não ver seu rosto, Paulo, mas sinto que você está diferente. Parece que está tentando.
Ele olhou para o chão, pensativo.
— Estou. Mas é difícil.
— O que é difícil?
— Admitir que preciso mudar. Que eu estava errado sobre tantas coisas.
Clara assentiu.
— Não é fácil, mas é o primeiro passo. E sabe o que é bom? Você não precisa fazer isso sozinho.
Inspiração Silenciosa
Enquanto a tarde avançava, os dois ficaram ali, conversando sobre a vida, as perdas e as pequenas vitórias. Clara não era didática nem direta como Valéria ou Julinho, mas sua forma de ver o mundo – ou melhor, de senti-lo – tocou Paulo de uma maneira que ele não esperava.
Antes de ir embora, Clara segurou a mão dele por um instante.
— Paulo, quando você olhar para o espelho hoje, tente enxergar além do que vê. Tente ver quem você é de verdade.
Ele ficou parado, observando enquanto ela se afastava, usando sua bengala para guiar os passos com uma segurança impressionante.
Fechamento do Capítulo
Naquela noite, Paulo olhou para o espelho do quarto. Não viu apenas o homem que havia perdido tudo, mas alguém que estava disposto a se reconstruir, peça por peça.
E, pela primeira vez em muito tempo, ele sorriu para si mesmo. Gal estava começando a acreditar na mudança de Paulo.
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