Capítulo 11 de 26 | Espaço de Partida
A noite avançava devagar no cortiço, e o som das conversas no pátio ia se apagando enquanto as luzes das janelas se acendiam uma a uma. Paulo estava sentado na mesa pequena do quarto, o olhar perdido em uma folha em branco. Ele havia tentado escrever algo, mas as palavras pareciam escapar.
Gal entrou devagar, carregando uma sacola de compras. Seus passos eram firmes, mas havia algo diferente nela: a postura, o olhar, a forma como ela preenchia o ambiente sem hesitar.
— Trouxe pão e café. Achei que você ia querer algo quente — disse ela, sem esperar resposta.
Paulo a observou em silêncio enquanto ela arrumava a sacola no pequeno armário improvisado. Por um instante, viu algo que não via há muito tempo: a mulher forte e confiante que o impressionara nos primeiros anos de namoro.
— Gal, podemos conversar? — Ele arriscou.
Ela se virou, o olhar atento e desconfiado.
— Sempre quis. Você é que nunca esteve disposto.
O Peso da Verdade
Paulo baixou os olhos, engolindo em seco.
— Eu sei que fui horrível com você. Sei que exigi de você coisas que ninguém deveria exigir de outra pessoa.
Gal cruzou os braços, mas não interrompeu.
— Mas o pior… o pior foi que eu nem sabia o quanto você já fazia por nós. Quando você saiu, eu senti o vazio. Não só do quarto, mas dentro de mim.
Ela inclinou a cabeça, surpresa.
— E o que você fez com isso?
Paulo hesitou.
— No começo, fiquei com raiva. De você, do mundo, de mim mesmo. Mas, no cortiço, comecei a ver coisas que nunca enxerguei antes. O Raul me mostrou o preço do orgulho. A Valéria me fez perceber que força não é o que eu pensava.
Gal arqueou uma sobrancelha.
— E o que é força pra você agora?
— É admitir que não posso fazer tudo sozinho. Que eu estava errado. Que preciso aprender com os outros.
A Jornada de Gal
Ela respirou fundo, como se estivesse processando as palavras.
— E eu aprendi que não sou responsável por salvar você, Paulo. Achei que, se segurasse tudo, você acordaria um dia e diria: ‘Obrigado por me salvar.’ Mas ninguém salva ninguém. Eu só percebi isso quando me soltei de você.
Ele assentiu, com os olhos marejados.
— Eu sei. Mas você salvou a si mesma. E isso me mostrou que eu precisava fazer o mesmo.
Gal sorriu, mas havia um tom de tristeza em sua voz.
— Então, talvez, a gente tenha aprendido algo. Separados.
O Reencontro
Paulo levantou-se da cadeira, os movimentos hesitantes, mas determinados.
— Eu não quero que a gente viva como antes, Gal. Eu quero que a gente comece de novo. Só que… diferente.
Ela o encarou por um momento longo e silencioso, como se tentasse decifrar cada palavra.
— Eu preciso de provas, Paulo. Não de palavras.
Ele sorriu, um sorriso tímido, mas cheio de algo novo: esperança.
— Eu sei. E estou disposto a mostrar.
Gal pegou uma caneca de café e sentou-se à mesa com ele.
— Então comece. Me mostre o que você aprendeu.
Fechamento do Capítulo
Naquela noite, a conversa deles foi longa. Não havia promessas de perfeição, apenas a vontade de reconstruir algo verdadeiro.
O cortiço, silencioso lá fora, parecia respirar junto com eles – um símbolo de uma nova vida, não perfeita, mas plena de humanidade e possibilidades.
Esta página pertence ao blog CoHerência.
Todos os direitos reservados.