Clara e a Visão Interna

Capítulo 12 de 26 | Espaço de Partida


O sol já se punha, e o cortiço estava mais silencioso do que o habitual. Paulo caminhava pelo pátio com passos lentos, ainda perdido na conversa que tivera com Gal. As palavras dela o acompanharam o dia todo: “O que você aprendeu aqui? O que mudou em você?”

Ele não tinha respostas claras, mas sabia que algo estava diferente. Gal estava diferente. Ela havia encontrado algo que ele nem sabia estar procurando.

Sentou-se em um dos bancos do pátio, os cotovelos apoiados nos joelhos, tentando organizar os próprios pensamentos. Foi então que uma voz suave o tirou do devaneio.

— Está quieto demais para o Paulo que todos conhecem.

Ele levantou a cabeça e viu Clara, a adolescente de sorriso gentil e passos cuidadosos, apoiada no bastão branco.

— Ah, é você, Clara. — Ele tentou sorrir, mas o cansaço emocional era visível.

Ela se sentou ao lado dele, sem hesitar.
— Está pensando no que não consegue enxergar?

Paulo soltou uma risada breve.
— Como você sabe?

Clara inclinou a cabeça, como se pudesse ver além das palavras.
— Eu já me senti assim antes. Quando perdi a visão, eu passei meses tentando enxergar coisas que não estavam mais lá. Até perceber que talvez o que eu precisasse ver não estivesse do lado de fora.


A Conversa que Muda a Perspectiva

Paulo ficou em silêncio por um momento, absorvendo as palavras dela.
— Mas e se o que você precisa ver está bem na sua frente e você não sabe como olhar?

Clara sorriu, um sorriso cheio de paciência.
— Então talvez você esteja olhando do jeito errado.

Ele franziu a testa, confuso.
— Do jeito errado?

— Quando você chegou aqui, o que viu? — perguntou ela.

Paulo pensou por um instante.
— Vi paredes caindo aos pedaços, pessoas que eu achei que tinham desistido de tudo. Um lugar sem futuro.

Clara riu baixinho, mas sem ironia.
— E agora, o que você vê?

Ele hesitou.
— Eu… vejo pessoas que ajudam umas às outras. Que continuam tentando, mesmo quando tudo está contra elas.

Clara assentiu.
— Você já começou a enxergar. Talvez não do jeito que esperava, mas está vendo as coisas que realmente importam.


Sobre o que Importa

Paulo olhou para Clara, ainda confuso, mas intrigado.
— Como você faz isso? Como enxerga as pessoas assim?

Clara segurou o bastão com ambas as mãos, como se ele fosse uma âncora.
— Porque eu não olho para o que elas fazem ou para como elas parecem. Eu tento sentir o que elas carregam. Você, por exemplo, chegou aqui carregando raiva e orgulho. Mas, ultimamente, parece que está carregando algo diferente.

Ele respirou fundo, as palavras dela ecoando dentro de si.
— Talvez seja medo.

Clara virou o rosto na direção dele, como se quisesse enxergar por dentro.
— Não tem problema ter medo. O problema é quando ele manda em você.


Uma Lição Simples e Profunda

Paulo passou a mão pelo rosto, tentando segurar a emoção que ameaçava transbordar.
— E o que eu faço com isso?

Clara sorriu de leve.
— Começa pequeno. E quando não souber o que fazer, pede ajuda.

Ele olhou para ela, a jovem que, apesar de tudo, parecia ter uma visão mais clara da vida do que ele jamais tivera.
— Você é incrível, sabia?

Ela riu.
— Não. Eu só tive que aprender a ver de outro jeito.


Fechamento do Capítulo

Quando Clara se levantou e voltou para o quarto, Paulo ficou sozinho no pátio. Mas dessa vez, a solidão não parecia tão pesada. Ele fechou os olhos e respirou fundo, sentindo o cheiro da noite, ouvindo os sons do cortiço.

Talvez fosse hora de começar a enxergar o mundo de uma forma diferente.


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