Encontro com Jurema

Capítulo 9 de 26 | Espaço de Partida


Paulo estava tentando se manter distante, mas o cortiço não era um lugar onde o anonimato fosse possível. No pátio, vozes se misturavam com o som de panelas, risos e o choro ocasional de crianças. Ele sabia que não poderia evitar as pessoas para sempre.

Naquela manhã, enquanto observava os movimentos ao seu redor, uma voz forte o chamou.
— Oi, rapaz. Tá perdido?

Ele se virou e viu Jurema, uma mulher de pele escura, cabelos grisalhos e um olhar penetrante. Ela segurava um livro em uma das mãos e parecia estudar Paulo com a outra.

— Não exatamente — respondeu ele, seco.

— Então por que tá sempre tão… sozinho? — ela perguntou, sem rodeios.

Paulo hesitou.
— Só… prefiro assim.

Jurema sorriu, como quem já ouvira aquilo antes.
— Prefere, né? Engraçado como a gente sempre prefere até perceber que não funciona.


A Aula de Jurema

No dia seguinte, Jurema o viu novamente, dessa vez com uma pilha de papéis ao lado.
— Vem cá, rapaz. Quero te mostrar uma coisa.

Sem dar espaço para recusa, ela o levou até uma sala no fundo do cortiço. Havia um quadro negro, cadeiras improvisadas e crianças de diferentes idades sentadas, ouvindo com atenção.

— Eu dou aulas aqui, pra quem quiser aprender. Educação nunca deve ser negada a ninguém — explicou Jurema.

Paulo franziu a testa.
— E eles… vêm?

— Claro que vêm. Quem vive sem saber de onde veio e pra onde vai? — ela respondeu, enquanto escrevia no quadro.


Privilégios e Desigualdades

Durante a aula, Jurema começou a contar histórias de pessoas negras que lutaram por igualdade, mas também falou de como o sistema sempre privilegiou alguns em detrimento de outros.

Paulo, sentado ao fundo, começou a sentir o incômodo crescer. Ela não olhava diretamente para ele, mas suas palavras o atingiam como se fossem.

— O que muitos chamam de sorte, eu chamo de privilégio. Uns nascem com o direito de errar e tentar de novo. Outros, como eu, nunca tiveram essa chance.

Após a aula, Paulo a abordou.
— Você acha que tudo se resume a privilégio?

Jurema riu.
— Acho que privilégio é como o ar: quem respira fácil nem percebe que ele tá ali.

Paulo não conseguiu responder.


Confronto e Reflexão

Mais tarde, enquanto voltava para o quarto, as palavras de Jurema ecoavam em sua mente. Ele sempre acreditou que tudo o que tinha conquistado era fruto do seu esforço, mas, pela primeira vez, começou a questionar se era mesmo assim.

Ele lembrou das portas que sempre se abriram para ele sem que precisasse pedir. Das pessoas que confiavam nele apenas por sua aparência e maneira de falar.

E então pensou em Jurema.

Ela, que lutou a vida inteira para conseguir metade das oportunidades que ele desperdiçou.

O Primeiro Passo para a Empatia

Deitado na cama, Paulo sentiu algo que não sabia nomear. Não era culpa, exatamente, mas uma desconfortável percepção de que ele sempre viveu em uma bolha – e que agora, ela estava começando a estourar.


Reflexão de Paulo

“Se tudo o que conquistei não veio apenas do meu esforço, então o que isso diz sobre mim?”


Conexão com a Jornada

Esse capítulo marca um ponto de inflexão para Paulo. A visão de mundo de Jurema, sua força e a maneira como ela educa as pessoas ao redor, começam a plantar as sementes de empatia e autocrítica.

Ele ainda resiste, mas o impacto de Jurema será crucial em sua jornada de reconexão com sua humanidade.

Você tem razão, vamos realinhar ao plano original. O foco deste capítulo será a masculinidade e como Caio desafia Paulo a rever suas crenças sobre o que é ser homem.


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