Capítulo 8 de 26 | Espaço de Partida
Depois de dias tentando se recuperar do desmaio, Paulo começou a sair mais pelo cortiço. Não por vontade própria, mas porque o orgulho ferido não lhe deixava alternativa. Ele precisava de alguma aparência de normalidade – ao menos para si mesmo.
Foi em uma dessas saídas que Valéria o viu encostado na parede do pátio, observando sem realmente participar. Com seu jeito direto, aproximou-se.
— Vai ficar aí plantado ou quer aprender alguma coisa útil?
Paulo a encarou, confuso.
— Como assim?
— Tô precisando de ajuda na marmitaria. Tá com tempo, não tá?
Paulo hesitou. A ideia de ajudar parecia humilhante.
— Não sei cozinhar.
Valéria deu de ombros.
— Nem eu sabia até ter que aprender. Você ajuda ou não?
Diante do olhar impaciente dela, Paulo cedeu.
O Desconforto na Cozinha
A cozinha da marmitaria era pequena, apertada, e o cheiro forte de comida no ar só aumentava o desconforto de Paulo. Valéria deu a ele tarefas simples – lavar panelas, picar ingredientes –, mas isso não aliviou o constrangimento.
— Tá parecendo que nunca segurou uma faca na vida — provocou Valéria, com um sorriso malicioso.
— Não desse jeito — respondeu Paulo, irritado.
— Pois é, Paulo. A vida nem sempre vem como a gente espera.
Enquanto trabalhavam, Valéria começou a falar.
— Sabe, quando meu ex me deixou com dois filhos pequenos, eu achava que nunca ia conseguir dar conta. Trabalhei como doméstica, cozinheira, faxineira… e aqui estou. Não foi fácil, mas eu aprendi uma coisa: ninguém é forte sozinho.
Paulo tentou não reagir, mas as palavras o atingiram.
O Confronto de Valéria
Depois de horas ajudando, Paulo se sentou em um banquinho, exausto. Valéria, por sua vez, parecia ter energia de sobra.
— Sabe o que me irrita em você, Paulo?
Ele levantou a cabeça, surpreso.
— O quê?
— Você ainda acha que é melhor do que todo mundo aqui. Mesmo depois de tudo o que aconteceu.
— Isso não é verdade — ele rebateu, na defensiva.
— Ah, não? Então por que tá aqui com essa cara de quem acha que tá fazendo um favor?
Paulo ficou em silêncio.
Valéria continuou.
— Vou te dizer uma coisa, Paulo. Força não é dominar os outros, não é estar por cima. É resistir, é construir, é cuidar. Você acha que é forte porque tinha dinheiro e status? Isso não é força. Força é sobreviver quando tudo tá contra você.
Uma Nova Perspectiva
Enquanto voltava para o quarto, as palavras de Valéria ecoavam na mente de Paulo. Ele não podia ignorar o que ela havia dito – porque, no fundo, sabia que era verdade.
Ela tinha enfrentado batalhas que ele nunca imaginou. E, ainda assim, estava ali, liderando sua pequena marmitaria com dignidade e força.
Paulo começou a perceber que talvez sua ideia de força estivesse errada o tempo todo.
Reflexão de Paulo
Deitado na cama, ele se lembrou da expressão determinada de Valéria enquanto comandava a cozinha. Pela primeira vez, ele começou a se perguntar: “Se eu não sou o que pensava ser, então quem eu sou?”
Conexão com a Jornada
Este capítulo marca um passo importante na desconstrução do orgulho de Paulo. Valéria não apenas o confronta diretamente, mas também apresenta uma nova definição de força – uma que desafia tudo o que ele acreditava.
É o início de um questionamento interno que será crucial para sua transformação futura.
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