O que você vê quando se olha no espelho?
O que sente ao sair para o mundo?
Como precisa se vestir, sustentar, controlar para ser aceito?
Seja sincero. Quanto do que você mostra é realmente você?
Não estou falando apenas de roupas, corte de cabelo ou da forma como você se apresenta.
Estou falando do que você sente, mas não diz.
Do que você acredita, mas esconde.
Do que você é, mas não parece ser.
A humanidade inteira aprendeu a parecer antes de ser.
Os transgêneros sabem disso mais do que ninguém.
Eles sentem na pele, desde sempre, a dor de ser algo internamente, mas precisar parecer outra coisa para pertencer.
Mas a verdade é que isso não é apenas sobre eles. É sobre todos nós.
Os Moldes Que Nos Aprisionam
O mundo nos ensina cedo quem devemos parecer para ser.
- Para ser homem, é preciso ter pênis, barba, músculos e nunca chorar. E os que nascem sem pênis, ou tem seus órgãos amputados?
- Para ser mulher, é preciso ter seios, quadris, suavidade e instinto materno e a que é estéril? A que veio com pouco seio?
- Para ser inteligente, é preciso falar bonito, ter diploma, entender de política e arte. E os que ganham muito dinheiro sem nunca ter estudado formalmente?
- Para ser bem-sucedido, é preciso ter um carro do ano, casa própria e dinheiro sobrando. E os que estão em paz, vivendo como faz sentido a eles?
- Para ser saudável, é preciso ser magro.
- Para ser confiável, é preciso ser branco.
- Para ser respeitado, é preciso ser heterossexual.
- Para ser forte, é preciso esconder as dores. Como? É possível deixar de ser quem és, humano?
- Para ser aceito, é preciso caber no molde certo. Certo para quem? Se cada ser humano é único?
E se você não se encaixa, sente na pele a punição.
- O homem que não tem barba ou músculos é visto como fraco.
- A mulher que não quer ser mãe é vista como defeituosa.
- O idoso que continua desejando, vivendo, buscando prazer é visto como ridículo.
- O negro que ocupa um lugar de poder é tratado com desconfiança.
- A pessoa com deficiência que não inspira superação é invisibilizada.
- O surdo que não lê lábios com perfeição é considerado um fardo.
- O LGBTQIAPN+ que existe fora do armário é visto como uma ameaça.
- O pobre que sonha grande é chamado de iludido.
- O gordo que não tem vergonha do próprio corpo é considerado provocador.
O sistema não quer que você seja.
Ele quer que você pareça.
📌 A Mesma Dor: A de Não Poder Ser
A pessoa trans nasce sabendo quem é, mas precisa se adequar ao que esperam que ela seja.
O ser humano nasce livre, espontâneo, inteiro – mas aprende desde cedo que só será aceito se encaixar em um molde.
A dor é a mesma.
A dor de olhar para dentro e saber a verdade, mas olhar para fora e perceber que essa verdade não tem espaço.
A diferença é que os transgêneros foram obrigados a encarar essa dor de frente.
A maioria dos humanos nem percebe que está aprisionada nela.
- Os trans precisam lutar para que a identidade deles seja reconhecida.
- Os demais humanos precisam lutar contra si mesmo para continuar fingindo ser o que esperam deles.
O Mundo Não Nos Quer Verdadeiros
Não se engane. O mundo não quer saber quem você é.
O mundo quer que você pareça o que é conveniente.
Desde cedo, aprendemos a interpretar um papel.
Aprendemos a ser fortes quando estamos fracos.
A sorrir quando estamos esgotados.
A fingir que estamos bem, quando tudo dentro de nós grita o contrário.
- Homens não choram.
- Mulheres precisam ser delicadas.
- Se você não tem sucesso, sua vida não vale a pena.
- Se você não performa bem, não merece reconhecimento.
E, então, seguimos o roteiro.
A mesma sociedade que exige que uma pessoa trans se encaixe na identidade errada para ser aceita.
É a que exige que você se encaixe num personagem social para ser respeitado.
Porque ser verdadeiro sempre tem um custo.
E quase ninguém está disposto a pagar.
📌 Os Transgêneros São o Reflexo da Nossa Própria Prisão
Talvez seja por isso que tantos rejeitam os transgêneros.
Porque vê-los é enxergar a coragem que nunca tivemos.
Os trans enfrentam a dor de não serem vistos por quem realmente são.
Mas eles lutam para existir.
Eles desafiam as regras, quebram expectativas, encaram o preço de ser em um mundo que só quer que pareçamos.
E isso é insuportável para quem passou a vida toda fingindo.
É insuportável para quem engoliu a própria identidade para caber.
Para quem calou seus sonhos para ser aceito.
Para quem matou pedaços de si mesmo em nome de um ideal que nem sabe de onde veio.
Os trans não desafiam apenas o que pensamos sobre gênero.
Eles desafiam toda a estrutura que nos ensinou a mentir sobre quem somos.
E talvez seja por isso que tanta gente se incomoda.
Porque no fundo, a existência trans escancara que nós também estamos aprisionados.
Só que, ao contrário deles, nós escolhemos ficar.
📌 Ser ou Apenas Parecer?
Agora olhe no espelho de novo.
O que você vê?
O que está aí porque é você, e o que está aí porque você precisa parecer?
Quantas versões de si mesmo você sacrificou para se encaixar?
Quantas verdades calou?
Quantos gestos naturais sufocou?
Os trans entenderam que parecer não é suficiente.
E nós?
Vamos continuar nos convencendo de que esse personagem que vestimos é realmente quem somos?
Ou vamos, pela primeira vez, ter a coragem de existir?
📌 O Que Esse Texto Quer Mostrar?
Esse texto quer romper o muro que separa a luta trans da luta humana.
Porque essa luta é a mesma.
🔹 Ambos sofrem com a pressão de parecer algo que não são.
🔹 Ambos lidam com a dor de não serem aceitos por sua essência.
🔹 Ambos precisam escolher entre se encaixar ou existir de verdade.
A diferença?
Os trans não aceitaram a mentira.
O resto da humanidade, sim.
E agora, a pergunta que fica:
Vamos continuar fingindo ou finalmente vamos aprender a ser?
Tu pode caminhar por onde quiser. Mas se quiseres seguir a trilha como ela foi pensada, aqui, sempre encontrarás o próximo texto e o anterior.
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