Entre Memórias E Recomeços

Capítulo 9 de 11 | Espaço de Acolhimento

A Porta do Passado

O silêncio do quarto envolve tudo, mas, dessa vez, não é apenas ausência de som. Ele pulsa com significado, como se aguardasse algo importante.

Enquanto teu corpo descansa, tua mente começa a trilhar um caminho diferente – um que leva para dentro.

Diante de ti, uma porta emerge. Não é a porta acolhedora que cruzaste ao chegar neste refúgio.

Esta é marcada pelo tempo, com rachaduras e manchas que parecem carregar décadas de histórias. Há algo de vivo nela – algo que te chama, mas também te desafia.

Tu hesitas, sentindo o peso do que está por vir.

É como se cruzar essa porta fosse abrir partes de ti que há muito tentas evitar. Mas há também uma faísca de coragem que insiste em te levar adiante.

“Eu preciso saber o que há do outro lado,” dizes para ti mesmo.

Com um suspiro profundo e um toque hesitante, empurras a porta.


A Primeira Memória: A Escolha de Resistir

O primeiro quadro que surge é tão vívido que parece que estás de volta àquele momento.

Lá estás tu, em uma sala de aula abafada, com carteiras desalinhadas e paredes desgastadas. O som abafado de risadas ecoa enquanto um pedaço de papel amassado cai aos teus pés.

Teu corpo parece congelar.

O calor sobe ao teu rosto, e o peso da vergonha é quase insuportável.

Por um momento, pensas em pegar o papel, em reagir, em fazer algo para provar que não merecias aquilo. Mas, em vez disso, escolhes algo diferente.

Com mãos trêmulas, abres o caderno e te concentras na tarefa à tua frente.

Não porque seja fácil, mas porque é o único controle que tens naquele momento. Cada letra que escreves é como um grito silencioso: “Eu não sou o que dizem que sou.”

Naquela escolha, tão pequena e silenciosa, descobriste algo poderoso: que a força não está em vencer o outro, mas em não permitir que te definam.


A Segunda Memória: O Preço da Impulsividade

Mais adiante, outro quadro prende teu olhar. Ele te mostra em uma discussão acalorada, o rosto vermelho, a voz elevada.

As palavras que disparaste foram duras, cortantes – e antes mesmo de terminá-las, já sabias que causariam danos.

Do outro lado, o olhar ferido de alguém que te era querido.

Um silêncio pesado preenche o espaço após tua explosão, e o peso da culpa começa a se acumular imediatamente.

Nos dias que seguiram, tentaste justificar tua atitude. “Eu estava cansado,” pensaste. “Ele também provocou.” Mas nada disso aliviou o aperto no peito.

Então, em um momento de coragem silenciosa, foste até aquela pessoa. As palavras vieram devagar, quase hesitantes: “Eu errei. Não deveria ter dito aquilo. Tu não merecias isso.”

Pedir perdão não apagou o erro, mas começou a cicatrizá-lo.

E, mais importante, te ensinou que a verdadeira força está em reconhecer quando erras e em buscar consertar o que foi quebrado.

Ao invés de ficar ruminando internamente quem começou e quem teve culpa.


A Terceira Memória: O Valor de Um Recomeço

Outro quadro se ilumina, mostrando-te sentado em um café, sozinho, com uma pilha de livros.

O cenário parece comum, mas tu lembras do peso daquele momento. Havias perdido um emprego que acreditavas ser a base da tua vida.

O fracasso te esmagou, deixando-te à deriva, questionando tua capacidade e teu valor.

Mas algo mudou ali. Olhando para os livros diante de ti, uma ideia começou a germinar. “Talvez isso não seja o fim,” pensaste. “Talvez seja o começo.”

Essa escolha – de transformar a perda em aprendizado – não foi um momento grandioso. Foi silencioso, mas profundo.

Com o tempo, aqueles livros se tornaram uma ponte para uma nova direção.

E, ao atravessá-la, encontraste um propósito que não apenas te sustentou, mas te conectou a algo maior do que tu mesmo.


A Quarta Memória: Quando o Cuidado É Negado

Mais adiante, outro quadro chama tua atenção. Ele mostra um momento de pressa. Tu estavas em um dia agitado, correndo entre compromissos.

Um amigo te ligou, pedindo ajuda. Ele precisava de ti, e, mesmo com tua agenda cheia, largaste tudo para ir.

Lembras-te do sorriso aliviado dele quando chegaste, e isso te aqueceu na hora.

Mas o cansaço te alcançou naquela noite. O peso de sempre colocar os outros em primeiro lugar começou a cobrar seu preço.

Naquele dia, esqueceste de almoçar, de respirar, de cuidar de ti mesmo.

Essa memória traz uma lição que demoraste a aprender: ninguém pode dar o que não tem.

Cuidar dos outros é nobre, mas cuidar de ti mesmo é essencial.

Agora, olhando para o quadro, percebes que o sacrifício não foi em vão, mas também reconheces que o equilíbrio é necessário.


O Espelho do Presente

No final do corredor, um espelho te espera. Ele reflete mais do que tua aparência. Ele mostra cada erro, cada escolha, cada cicatriz – mas também cada vitória, cada aprendizado.

Tu te aproximas devagar, hesitante. O que vês não é perfeito, mas é real. É tua história, com todas as suas falhas e conquistas, entrelaçadas como uma colcha de retalhos.

Cada pedaço é único: o retalho da vergonha superada na sala de aula, o remendo da reconciliação após o erro, a costura do recomeço no café, o tecido fino do cuidado dado aos outros, mesmo quando te esqueceste de ti.

“Minha vida não é perfeita,” pensas, “mas ela é minha. Cada erro, cada dor, cada escolha faz parte de quem sou. E isso é suficiente.”

Ao tocar o espelho, sentes algo mudar.

Não precisas apagar as partes difíceis da tua história. Elas não te definem, mas te moldam.

Cada retalho, mesmo os mais escuros, contribui para a beleza do todo.


O Caminho à Frente

Ainda diante do espelho, algo dentro de ti começa a se acalmar.

As memórias que antes te pesavam agora parecem menos ameaçadoras.

Elas não desapareceram, mas já não carregam o mesmo peso. Em vez disso, começam a se transformar em algo mais – um conjunto de lições, fragmentos que compõem quem és.

Tu fechas os olhos e respiras fundo, permitindo que a aceitação comece a tomar forma.

O reflexo no espelho não desaparece; ele parece te acompanhar mesmo quando tua visão se fecha, como um lembrete de que tu não estás mais fugindo de ti mesmo.

O som do vento lá fora se mistura com o pulsar do silêncio no quarto. 

O ambiente ao teu redor parece mudar sutilmente.

O espelho desaparece, dando lugar a um céu estrelado que se estende infinitamente. Tu estás flutuando agora, em um espaço que não é físico, mas profundamente íntimo.

Cada estrela acima de ti é como uma memória, um momento, uma escolha – tudo conectado.

E, enquanto adormeces mais profundamente, uma voz suave surge, não do lado de fora, mas de dentro.

Ela não te diz o que fazer, nem traz respostas prontas. Ela apenas sussurra:

“Tu és a soma de tudo o que viveste. E, mesmo com todas as tuas imperfeições, isso é suficiente.”

O som do vento e o brilho das estrelas tornam-se um pano de fundo, embalando-te em um sono mais profundo, mas também mais consciente.

O mundo dos sonhos se expande, preparando-se para a próxima etapa da tua jornada – um espaço onde as lições que já começaste a aprender serão aprofundadas e transformadas em algo maior.

E, assim, o corredor das memórias dissolve-se, dando lugar a uma nova porta que te aguarda.

Ainda não é hora de cruzá-la, mas sabes que, ao final deste descanso, estarás pronto.


Reflexão Final

💭 Quais partes da tua colcha de retalhos tens tentado esconder? E como seria começar a vê-las como essenciais para a beleza de quem tu és?
✍️ Compartilha tua experiência nos comentários.


Tu pode caminhar por onde quiser. Mas se quiseres seguir a trilha como ela foi pensada, aqui, sempre encontrarás o próximo texto e o anterior.

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